Adeus à "cultura de boas-vindas", a Alemanha cede às exigências ultraconservadoras e reforça os controlos nas fronteiras.
Ao longo de um rio, uma ponte conecta duas nações europeias, servindo como porta de entrada da Polônia. Uma fila de carros serpenteia pacientemente, aguardando aprovação para prosseguir para a Alemanha. Policiais alemães armados com metralhadoras e vestidos com coletes à prova de balas acenam para veículos passarem ou param aqueles que consideram suspeitos.
Tom Knie, um jovem policial, compartilha seus pensamentos entre as rondas, explicando que indivíduos que não atendem aos critérios de entrada da Alemanha ou aos padrões da Zona Schengen podem sofrer uma inspeção policial adicional.
Essas situações agora são a norma nas fronteiras terrestres da Alemanha.
Em 16 de setembro, Berlim ordenou a reintrodução temporária do controle de fronteira nas fronteiras da Alemanha com a Bélgica, Holanda, Luxemburgo, França e Dinamarca.
Essa medida estende os controles atuais já em vigor nas fronteiras com a Polônia, Áustria, República Checa e Suíça, que estão em vigor desde outubro.
O principal motivo para essa reintrodução decorre de assuntos internos alemães, todos interligados, mas intensificando a pressão sobre o chanceler Olaf Scholz e sua coalizão governante. O maior desafio vem da crescente extrema-direita alemã.
No entanto, esses controles também sinalizam o fim da política de migração generosa da Alemanha – a Wilkommenskultur, ou "cultura de boas-vindas", iniciada pelo antecessor de Scholz, Angela Merkel, em 2015. Essas verificações levantam questões sobre a sustentabilidade da zona Schengen.
Terrorismo, migração e o AfD
A presença notável dos cartazes do partido Alternativa para a Alemanha (AfD) ao longo da estrada para Frankfurt/Oder serve como um lembrete claro de sua posição sobre a segurança das fronteiras. Um cartaz diz "NÓS PROTEGEMOS VOCÊ!" com uma águia voando acima de um lixo, que contém um semáforo (representando o governo da coalizão) e, insidiosamente, uma mesquita.
Uma série de ataques terroristas que antecederam eleições estaduais importantes em regiões de direita colocou o assunto da migração em destaque. Em junho, um homem de 25 anos da Afeganistão matou um policial em Manheim, seguido por um homem de 26 anos da Síria que matou três pessoas em Solingen algumas semanas depois. Ambos os incidentes foram explorados pelo AfD.
Entre as figuras mais controversas do partido, Bjoern Hoecke, pediu o fim desse "caminho equivocado do multiculturalismo forçado".
No início de setembro, o AfD se tornou o primeiro partido de extrema-direita desde a era nazista a garantir uma vitória clara em uma eleição estadual. Seu triunfo na Turíngia, um estado da antiga Alemanha Oriental, foi seguido por um segundo lugar muito próximo na Saxônia.
Erosão do domínio de Scholz
O AfD há muito tempo faz campanha em uma plataforma anti-imigração. A co-líder do AfD, Alice Weidel, já afirmou que a Alemanha havia se transformado em um "país sem fronteiras, onde qualquer um pode entrar sem consequências".
Seu sucesso, junto com o aumento da facção de extrema-esquerda que compartilha sentimentos anti-imigração, erosiona o apoio de Scholz e o obriga a tomar medidas, notadamente no domínio da migração.
Ao se dirigir ao parlamento alemão antes das restrições de fronteira, Scholz afirmou: "Estamos realizando essas medidas apesar dos desafios que isso nos causará com nossos vizinhos..." Ele acrescentou: "Acredito que devemos suportar essa disputa".
Raphael Bossong, pesquisador no Instituto Alemão de Assuntos Internacionais e de Segurança, expressou sua opinião de que ceder às demandas dos populistas de direita não se traduzirá em vitórias eleitorais. Em vez disso, os partidos principais podem enfrentar consequências negativas ao adotar posições semelhantes ao AfD.
Há a possibilidade de Scholz e seu governo enfrentarem mais problemas neste fim de semana, com o Brandemburgo realizando eleições regionais para escolher seus novos líderes.
As previsões atuais apontam que o AfD receberá 28,4% dos votos, ultrapassando o Partido Social-Democrata de Scholz, que é projetado para ficar em segundo lugar com 24,7%.
O resultado pode desestabilizar ainda mais a coalizão de Scholz e aumentar os pedidos de eleições federais antecipadas antes de setembro de 2023.
O declínio da Wilkommenskultur?
O chamado por controles de fronteira mais rígidos na Alemanha também sinaliza uma mudança na União Europeia das políticas de Merkel.
Em 2015, Merkel abriu as fronteiras da Alemanha para migrantes em busca de refúgio – principalmente sírios devido à guerra civil do país. Os dados do governo alemão mostram que 13,7 milhões de migrantes não alemães chegaram entre 2015 e 2023. Em comparação, o número de migrantes entrando na Alemanha antes de 2015 era de apenas 5,8 milhões.
As ações de Merkel se tornaram conhecidas como Wilkommenskultur e estabeleceram a Alemanha como líder mundial na política de migração liberal.
Atualmente, Gerald Knaus, conselheiro de migração do governo Merkel na época, vê o governo atual passivamente aceitando "uma armadilha". Ele espera que o compromisso de controlar a migração irregular nas fronteiras leve a expectativas irreais de construir barreiras e transformar países em fortalezas.
Segundo Knaus, o atual governo enfrenta a necessidade de regular e supervisionar as migrações, uma demanda que eles reconhecem como válida da extrema-direita. No entanto, o governo parece incapaz de implementar uma política efetiva em resposta.
Na opinião de Knaus, a perspectiva de modificar as políticas alemãs traz um novo perigo.
"Se você garantir a gestão de uma questão emocionalmente carregada como a imigração, mas sua estratégia falhar, não apenas você não alcançará seu objetivo, mas também estabelecerá um fracasso que radicais, prontos para ir a extremos, explorarão com alegria", afirmou Knaus.
Apesar do crescente presença e influência de partidos de direita, como a Alternativa para a Alemanha (AfD), na política europeia, Gerald Knaus, consultor de migração do governo Merkel, expressa preocupação com as potenciais consequências do fracasso em gerir eficazmente as políticas migratórias. Ele alerta que esse fracasso poderia ser explorado por grupos radicais, o que poderia levar a uma perigosa escalada.